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Maria Izabella Soares Aquino: Encantada da nossa história!

Maria Izabella se foi no Dia do Historiador e poucos dias depois da regulamentação da profissão, conquista de mais de 50 anos de luta. Estudante brilhante, esforçada, atenciosa e generosa com tod@s ao seu redor, esteve desde os primórdios do AHORU atuando em muitos projetos: as entrevistas com os indígenas do Sangue, a digitalização dos acervos da câmara municipal e da secretaria paroquial de Uruçuí e o projeto QR Code de preservação de pontos históricos da cidade. Foi semifinalista na Olimpiada Nacional de História do Brasil em 2017, e ainda no ensino médio apresentou trabalho em 2018 junta a outr@s colegas em evento científico para estudantes de graduação, sendo aplaudida por uma sala lotada. Mesmo tão jovem, Izabella foi fundamental para a cultura e história de Uruçuí e do Piauí, mas partiu muito antes do que deveria. A falta que sentimos não é apenas pelos projetos e sonhos interrompidos, mas pela saudade dessa pessoa carinhosa, dedicada e que autenticamente lutava pelo bem de tod@s e por um mundo mais justo, democrático e feliz. Ninguém sabe a hora que vai, e, por isso, aprendamos com Izabella, que teve sonhos, projetos e AÇÕES até o fim de sua trajetória. Lembrando dela, sigamos felizes na luta e pelo privilégio de termos convivido com essa pessoa incrível. Como diriam os índios no Nordeste – como os do Sangue, cuja história ela ajudou a contar – as pessoas não morrem, se encantam. Como se foi no Dia do Historiador, e pelo tanto que fez na sua breve vida, Izabella é uma Encantada, protetora da nossa história!

Nosso sangue de índio – Anchieta Alves de Santana

O povoado Sangue fica a 48 km da sede do município de Uruçuí. Uma região de veredas extensas, pássaros que encantam e riachos temporários saciando sedes em meio a muitas árvores retorcidas e uma pequena diversidade animal.
Sangue não é nenhuma homenagem rendida aos colonizadores desses recantos do sul piauiense, mas um registro de um massacre sanguinolento ocorrido nas caatingas daquele lugarejo. Foi o maior ato de extermínio indígena ocorrido nesta grande região que, à época, meados do século XVIII, pertencia à província de Jerumenha.
Ilustres memórias – dentre elas meu avô José Delmiro – e os anais da história dão conta de que a caça aos índios era obsessiva, não respeitava o gênero nem a faixa etária dos nativos. Mas não era uma guerra. Não. Definitivamente, não. Não se guerreia com indefesos. Massacra-se. Consta que um comandado de João do Rego Castelo Branco, Cipriano Borges, após várias investidas no rito da exterminação buscando novas terras, descobriu vestígios de índios nas proximidades de um riacho daquela localidade. E, como todo bom cão caçador que pressente a presa, ficou bastante eufórico ao tempo em que abria caminho em meio a árvores de cipós e espinhos daquela flora ainda virgem. O velho bandeirante, já experimentado em outras investidas contra os nativos, já sabia que estava na trilha dos Acroás. Como o grupo estava diminuto, mandou um portador buscar reforço de um agrupamento que seguia em direção às margens do Gurguéia.
Dias depois, em certa tarde de inverno, após exaustiva caminhada, avistaram, do alto de uma serra, movimento da tribo. A alegria comemorativa ficou estampada na face de cada membro do grupo de caçada aos nativos. Ficaram, por um bom tempo, em estado de observação.
Cipriano, após estudo do ambiente, ficou em silêncio por algum tempo e começou a ditar os procedimentos de estratégias:
__Vamos aguardar o momento certo para fecharmos o cerco de forma implacável.
__ A melhor hora será após a meia noite, para termos certeza de que não há nenhum nativo acordado – sugeriu Manuel Leite, que não parava de afiar a ponta de sua lança.
__Está combinado – sussurrou Cipriano.
O resto do grupo ouvia e gesticulava concordando com as sugestões apresentadas pela linha de frente do comando exterminador.
Já é madrugada. Anunciou o escravo Zunga olhando a posição dos astros. Após os acertos dos últimos detalhes, conferência das armas de punho…rumaram para o cerco à tribo acroaense que dormia sono profundo. Talvez sonhando com a história de sua tribo e sua nação, após fugirem de inúmeras emboscadas; ou, quem sabe, a temática do sonho fosse a busca do entendimento dos motivos que levavam o homem branco a, todo custo, apossarem das terras bem cuidadas pelo homem nativo há mais de dois séculos. Índios também sonham.
Os comandados rastejaram-quase que deslizando morro abaixo, em busca de uma melhor posição para um ataque compensador. Cipriano checou as posições e deu ordem de ação. Já passava das três horas da manhã. O alvorecer no sertão já orientava alguns norteamentos.
O ataque saiu conforme combinado. Detrás de cada moita, de cada tronco de árvore centenária, saía um bando, armado até os dentes, tomado por uma sede de morte. Sede letal.
Foi um clamor intenso: índios acordavam atordoados e eram golpeados pelas lanças afiadas; crianças que tentavam correr eram cortadas ao meio como se faz com bananeira após a colheita dos frutos. Em meio àquele massacre, era impossível usar tacape, arco e flechas…. Aliás, nem se lembravam de tais armas. Nem tampouco o que estava acontecendo. Desorientação total.
Os gritos e larídeos estridentes de um povo indefeso ecoavam nas serras daquele lugarejo. Mas nada, nada mesmo, amolecia o coração dos colonizadores usurpadores e tiranos. O líder, Cipriano Borges, vibrava com a queda de cada índio se esvaindo em sangue. Sangue puro de nativo. Sangue dos legítimos donos daquelas terras que ora estavam sendo tomadas a ferro e fogo. Naquela situação era impossível fugir ao cerco mortífero de tática de massacre. Mas, aos poucos, as folhas foram ficando vermelhas e o amontoado de cadáveres indígenas dava a dimensão do aniquilamento… do massacre…do maior genocídio nesta região do Piauí! Ali, já não se pisava no mesmo solo. Agora, um tapete vermelho formado pela matéria sanguínea indígena era pisoteado.
Ao romper da aurora, viram que a missão estava concretizada. Também ensanguentados com o sangue que jorrava dos índios, os tiranos chutavam os cadáveres em busca de algum sinal de vida. De repente, no meio do lamaçal sanguíneo, uma pequena criança começou a gritar. Era uma indiazinha. Era uma inocente que chorava a dor de sua tribo sentada em meio a centenas de corpos familiares. Chorava inocentemente uma dor coletiva. Registrava-se, ali, quiçá, na história, a primeira vez que uma criança chorava, não apenas pelos pais, pelos caos ali instalado, mas pela nação nativa. Os gritos desesperados daquela pequena indiazinha indicavam a intensidade do sofrimento.
Ordenado pelo chefe, os capangas limparam a garotinha e, após discussões, ela foi levada para o aldeamento São Félix da Boa Vista, que ficava no entroncamento dos rios Parnaíba e Balsas. Era o ano de 1756.
A indiazinha recebeu o nome de Maria, foi escravizada, sofreu vários tipos de violências e morreu aos vinte e cinco anos de idade, vitimada por doença dos brancos.
Esta é a triste origem do nome do povoado onde nasci, passei parte de minha infância e ainda vivem meus pais e outros parentes.

(1984)
Anchieta Alves de Santana
Uruçuí-PI

Desenho de um dia qualquer – Anchieta Alves de Santana

O quarteirão do Fogoso, um bairro por onde transito quase todos os dias, fugindo da rotina, acordou sem alterações. Nenhuma movimentação diferente no comportamento da vida social. Seis horas da manhã. O sol ainda se espreme por trás de um morro para mostrar sua face. O formigueiro humano daquele arrabalde, timidamente inicia sua jornada diária. No bar da esquina, enquanto a pequena Bruna compra um quilo de açúcar e um pacote de fumo para seu vô, Zé Maroca toma sua primeira dose de “maranhense”.
__Sus! Essa é pra batizar o dia. Exclama o dipsomaníaco assumido.
Para ele, o dia é muito exigente e adora ser batizado. E aí as coisas acontecem sem frescuras…Outra dose…outra dose…mais batizadores aparecem saindo de becos e ruas estreitas e desprovidas de saneamento básico…Em pouco tempo, o dia já tem um verdadeiro batalhão de sacerdotes do pileque. Todos querem batizar o dia. O ambiente fica bastante animado. Em geral, futebol e política dão a tônica dos discursos. Mais futebol do que política. Mais dose do que futebol. Nenhum outro bairro tem tantos teóricos e craques do esporte, como naquela esquina do Fogoso. Lá tem, dentre outros: Zé Bedeu, Neguinho da Gilda, Edimilson da Deusa, Mondeiro, Abílio, Chico Mata-Porca, Nonato Mira, Gilo, Reinaldo, Benedito do Gonçalo, Manoel da Neci, Lindoca, Francalino, Raimundinho do Cinego, Raimundinho Carcará, Zé Pezão, Bitor, Zezeca, Alcides, Chico do Cláudio e outros veteranos. Tem também Rondinele, Luís Carlos, Wanderson, Wesley, Wendell que são craques das últimas gerações.
Aos poucos, as portas se abrem completamente e o trânsito feito de homens torna o bairro mais cheio de vida e de uma movimentação impressionante que não se encontra em outra parte da cidade.
Na Rua Artur Coelho, os cachorros de todo dia iniciam uma “farra” para saber quem vai acasalar com uma cadela que se mostra elegante e faceira. A disputa é duradoura e, de longe, nem um pouco amigável. Numa casa sem número, no final da rua, uma criança chora a ausência da mãe, que já foi trabalhar; a televisão do vizinho varou a noite ligada e ainda se ouve um áudio que tematiza recessão econômica. Indo em direção ao centro da cidade é possível ver a meninada a caminho da escola sob o olhar e recomendação dos pais.
__Vai estudar pra ser gente, menina! Recomenda o pai de uma garotinha por nome Marli.
__Ué! Sou gente! Exclama a menina.
__Deixa de conversa garota. A cidade precisa de mulheres e homens sábios. Retruca o pai.
A prole, sem argumentos convincentes, é vencida pela autoridade paterna.
Onze horas, o velho Lázaro já não se encontra mais na calçada onde costuma ficar todos os dias pela manhã. O Mondeiro, após sua lida diária, chega empurrando sua bicicleta; a meninada, por falta de merenda, retorna mais cedo da escola.
De repente, lá na esquina:
___Seu filho duma puta! Quem mandou fazer isso?
Um homem barbudo, de olhos vivos e arregalados, barrigudo, cabeça chata e com pouco cabelo, que, na mão direita, segura uma laxa de lenha, estava enfurecido. Parecia bastante transtornado.
__Fiz. Quer encarar? Respondeu um amarelo, sem camisa, que acabara de saborear uma “branquinha”.
Não demorou muito, formou-se uma pequena aglomeração, mas a turma deu um jeito de acalmar os ânimos dos brigões.
O impressionante é que tudo volta ao normal em questão de minutos. Brigões se abraçam, pedem desculpas, tomam mais uma dose, mais uma, mais uma…
Dezessete horas, após horas de trabalho, os sacerdotes do pileque retomam seus lugares na esquina preferida do bairro. Já não se fala mais em batizados, agora é tomar uma pra banhar, outra pra jantar, outra pra dormir…E, não demora muito, ouve a voz de Valdé “ Goela-de-Aço” batendo em um pandeiro e entoando canções de uma passado recente. Aí a noite fica pequena pra muita gente.

(Texto que escrevi numa época em morei nesse bairro. DESENHO DE UM DIA QUALQUER, é o nome do meu mais recente livro)

Fogoso (bairro de Uruçuí) – por Idenilson dos Santos Pereira e João Paulo Mota dos Santos

Fogoso: nascente dos musico e jogadores

É o bairro que teve uma iniciativa da cultura da música em Uruçuí. Seu João e o Ricardo, que tocavam cavaquinho, eram responsáveis por um grupo montaram. Eles começaram com um cavaquinho e batendo em varias latas, ensaiavam de baixo de um pé de manga em cima do morro, onde Idenílson era criança e chegou a tocar, e se destacaram na cidade no carnaval com um som de swing. Quando estavam conquistando o público da cidade, Ricardo faleceu, e Claudete, que era o vocalista, foi embora, e a banda terminou se acabando.

Não só músicos nasceram no bairro, mas também sonhos de pessoas de serem grandes jogadores. Tinha somente um campo de futebol no bairro, mas não desistiam do sonho que, dali, saíram jogadores profissionais, como os irmão de Glaciela que ainda hoje trabalham com o futebol uruçuiense, e que conseguiram colocar um sobrinho em time profissional em que hoje joga na coreia do sul mas já passou pelo Corinthians.

De acordo com a entrevista dada pelo morador de Uruçuí, seu Alcides, antigamente não havia ruas por onde passar, pois havia uma tremenda vegetação. O mesmo conta que gostava muito de cachaça, porém, na época havia dificuldades para encontrar. Então, para substituir a cachaça, seu Alcides comprava álcool. Conta também que, para comprar, tinha que caminhar muito, seguindo assim um trilho, pois não havia estradas. Além disso, seu Alcides conta que a história da zona urbana do município de Uruçuí mudou completamente. É tanto que, entre os anos de 1892 e 1902, o povoado já era algo visível e crescente.

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Centro de Uruçuí. Entrevista de Maria das Dores Gomes Rocha (Perpétua) concedida a João Hemílio Alencar Alves

Meu bairro amanhece o dia com o seu Salú levando seu gado pra tirar leite, e logo depois o seu Berto com sua rabetinha indo pro rio pescar. Em torno de 6:30 começa a chegar algumas pessoas pra fazer caminhada, e logo depois chega o pessoal indo para seus trabalhos. Quando dá umas 9 horas a dona Maria passa vendendo seu cheiro-verde de casa em casa, ao meio dia as pessoas começam a sair de seus trabalhos pra ir almoçar e o movimento diminui um pouco. Às 2 horas o movimento começa a aumentar de novo e assim vai até o fim da tarde.

Quando chega a boquinha da noite muitos voltam a andar na praça fazendo caminhada, outros vão para namorar ou para pegar Wi-Fi e tem deles que vêm para jogar bola. No meu bairro tem de tudo: banco, prefeitura, lojas de roupas, madeireira e muito mais, onde todas as pessoas acham o que procuram. Nele também é onde ocorre o maior festejo do ano, que reuni muitas pessoas de vários lugares. Meu bairro é muito tranquilo e todos os vizinhos, quando chega a noite, sentam na porta pra ficar conversando e vendo o movimento.

 

ENTREVISTA DE PERPÉTUA

João Hemílio: Como chegou? De onde veio?

Perpétua: Eu cheguei aqui de jangada pelo rio Uruçuí Preto. Esse rio desemboca no rio Parnaíba. A gente veio de um interior chamado Campo Largo, que fica a 45 km de Uruçuí, indo sentido ponte.

JH: Quais foram as dificuldades?

P: As dificuldades foram muitas. A gente não tinha um barco grande pra trazer nossas mudanças, então improvisamos e fizemos de talo de buriti, que aqui na região é chamado de macaco. Quando chegamos fomos construir nossa moradia. Os homens e as mulheres trabalhavam dia e noite na construção da nossa casa.

JH: Quantos e quais vieram, ou já moravam aqui?

P: Quando a gente veio só vieram eu e minhas irmãs e irmãos e sobrinhos, mais já tinha um irmão da gente morando em Uruçuí que se chamava de Lemi, mais ele morava com sua esposa em outro bairro. A gente trouxe os nossos filhos e sobrinhos pra estudar aqui pra ser alguém na vida. Com o passar dos tempos minha mãe veio morar com a gente e deixou o meu pai tomando conta da fazenda, mas uma vez por mês ele vinha nos visitar e trazer a comida da gente. A comida era trazida de animal em jacás, mas vinha de tudo: arroz, feijão, banana, carne e tudo mais.

JH: O bairro já existia? Se não, o que tinha?

P: O bairro não existia. Aqui era zona rural, tinha mato pra todo lugar. O que existia eram poucas casas na beira do rio, onde morava as autoridades da época, como o seu José Cavalcante e outros.

JH: O que mudou?

P: A mudança veio aos poucos, com a construção de nossa avenida José Cavalcante, construção de casas e postos comerciais. No início a nossa avenida era de piçarra. Logo depois veio o calçamento de pedra e já muito recente foi colocado o asfalto. Hoje nosso bairro é um dos mais bonitos da cidade, desde quando chegamos só foi melhoria.

JH: Melhorou ou piorou e quando melhorou ou piorou?

P: Melhorou 100%. A melhoria veio um pouco lenta quando a gente chegou, mas com o passar dos anos foi acelerando. Mais ou menos em 2000 a nossa cidade deu uma alavancada com a chegada de uma multi-nacional, a BUNGE, com construção de casa e geração de empregos pra nossa sociedade, e depois foi chegando várias outras empresas para o nosso município e atraindo grandes investidores na compra de terra pra a produção de soja e vários outros tipo de agricultura.

JH: Se pudesse voltar no tempo você viria de novo?

P: Sim, eu viria com certeza, por que foi aqui nessa cidade, nesse município, onde eu me criei e criei meus filhos e netos, e hoje me sinto realizada por ter meus filhos todos formados e meus sobrinhos estudando, pra sempre estar em constante evolução junto com nossa cidade, nosso município. Eu sou costureira e tenho orgulho de morar em Uruçuí.

 

Alto Bonito (bairro de Uruçuí). Entrevista de Agda Pereira de Sousa concedida a Gilbertina Pereira de Sousa

Este bairro tem aproximadamente 12 a 13 anos, ou seja, não tem muita coisa pra contar. Antes era uma mata, só tinha caminho de tatu e de animais etc. Então surgiu uma ideia de invasão com as pessoas que não tinham casa pra morar, e foi ai que começaram as invasões: todas as pessoas que ali estavam. Cada um conseguiu um lugarzinho pra fazer suas moradias.

Aos poucos começaram as construções de suas casas e ruas, algumas com calçamento, outras não. Agora o bairro está bem crescido e já tem bastante casas, comércio, bares, açougue, frutaria etc.

Outra coisa que achei interessante foi uma panela em cima de três perdas:

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Ainda existem pessoas aqui nesse bairro que não tem fogão, ou seja, se viram de qualquer jeito, formando esse tipo de “trempe”, como eles chamam. É muito bom fazer comida nesse tipo de fogão, que serve para carvão e a lenha. Na casa de minha mãe tem um deste jeito.

Outra coisa interessante que tem em minha casa: dois potes onde meu pai só bebe água neles. De geladeira nem pensar! Diz que não mata a sede dele, ou seja, só água de pote mesmo.

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A bairro é muito pequeno, mas com o tempo ele vai se desenvolvendo, acho que com uma boa gestão ele vai crescendo de maneira razoável, espero.

Aqui neste bairro precisa-se de muita coisa para ficar melhor, por exemplo: saneamento básico, esgoto, calçamento, uma boa iluminação pública e uma administração adequada.

 

ENTREVISTA DE AGDA PEREIRA DE SOUSA

Gilbertina: Como chegou? De onde veio?

Agda: Viemos da zona rural. Morávamos lá em terras alheias, eu e meu velho estávamos muito velhos, ai resolvemos morar na cidade mais próxima dos nossos filhos. Falamos com o dono da terra que iriamos mudar. Certo dia arrumamos nossas coisas e fomos embora para a cidade.

G: Quais foram as dificuldades no trajeto, na chegada e com a mudança?

A: Nossa! Quando chegamos na cidade, tudo diferente! Um corre-corre das pessoas, o barulho de carro, de motos, enfim… aquela zuada. Ai falei pro meu veim: “que diferença né, veio, do campo onde nós vivia? Pois é, mas vamos acostumar com essas coisas”.

G: Quantos e quais vieram ou já viviam aqui?

A: Só eu e meu esposo ,os nossos filhos já viviam na cidade.

G: O bairro já existia? Se não, o que tinha?

A: Já existia sim. Tinha pouca casa e também um mini-mercado, açougue e dois bares.

G: O que mudou?

A: Algumas coisas. Aumentaram as casa, os comércios, os bares, os açougues, e colocaram calçamento em algumas ruas.

G: Melhorou ou piorou? E quando?

A: Melhorou um pouco em relação ao convívio e também em relaçao ao bairro. Cresceu mais, ou seja, a cada dia tá diferente. Nao tinha coleta de lixo, mas agora tem. Já tem farmácia, padaria e escola.

G: Se pudesse voltar no tempo, você viria de novo?

A: Sim, porque é uma coisa nova e também um rumo de vida diferente, apesar de estarmos bem em nossa casa. Faria tudo novamente. Aqui na cidade e bem melhor principalmente pra nós que já estamos velhos. As coisa são mais fáceis de se arrumar, claro, apesar de tudo ser na base da compra.

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Portal dos Cerrados (bairro de Uruçuí) – por Francisco de Sousa Borges

O estado do Piauí vivenciou uma ocupação do cerrado bastante acelerada entre as décadas de 1970 e 1980, ocorrida com a implantação de megaprojetos agropecuários (pecuária e cajucultura) incentivados por várias linhas de créditos. Já na década de 1990, nessa região, considerada uma das últimas fronteiras agrícolas do Brasil, esse processo intensificou-se por meio da implantação de grandes projetos para a produção de grãos, tendo como carro chefe a soja voltada para a exportação.

Foi nesse período que o município de Uruçui começou a se beneficiar com a chegada da tecnologia usada na agricultura, com a chegada de produtores de outras regiões em busca de terras férteis e baratas.

No início da década de 1990, a cultura que se destacava era o arroz, seguido do milho e feijão. A partir de 1996, a soja tornou-se a principal cultura e sua produção continuou sempre em ascendência. Ao longo desse período, houve uma desaceleração das áreas plantadas com as culturas tradicionais produzidas pelos agricultores familiares dando inicio aos grandes empreendimentos que exploram a região do cerrado de Uruçuí. Esta situação não se diferenciava das formas de ocupação do Ecossistema ocorridos nas demais regiões brasileiras, isto é, os migrantes sulistas, considerados os “novos bandeirantes”, continuam sendo os desbravadores desse processo produtivo. Do ponto de vista de desenvolvimento agrícola, a cidade de Uruçui cresceu bastante nos últimos 20 anos, impulsionada pelo movimento agrícola, industrial e cultural.

 

Essa realidade visível e vivenciada pela população local deu origem a necessidade de novas moradias, mais escolas, restaurantes, novas lojas, comércio e toda uma nova infraestrutura para acomodar os novos moradores locais e os que estão chegando nesse processo de expansão urbana.

No ano de 2001, com o objetivo de atender a esse novo modelo de desenvolvimento urbano, foi dado inicio a criação de mais um novo bairro em Uruçuí, denominado de Portal dos Cerrados, localizado a 7,2 km do centro da cidade na rodovia PI. 247 sentido Ribeiro Gonçalves, com 453 lotes com infraestrutura de água, energia elétrica, ruas pavimentadas com asfalto, meio fio e drenagem bem acabada.

Logo no inicio de sua criação, uma empresa multinacional, a Bunge, fez a aquisição de 47 lotes para a construção de casas a serem ocupadas pelos funcionários da referida empresa que iriam chegar ao longo do desenvolvimento dos trabalhos, que ainda estava em fase de construção em 2003. Esses funcionários viriam oriundos de diversas cidades do sul do país, de estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo etc. O governo do estado do Piauí tinha um acordo com a empresa por meio do qual celebrava que a Bunge teria que contratar 70% de sua mão de obra de trabalhadores locais e regionais. Em contrapartida, o governo teria que asfaltar o trecho de 220 km entre Uruçuí – Floriano para que o escoamento da produção da empresa e demais produções locais fossem bem sucedidos. No entanto, o governo não fizera sua parte, e assim ficou prejudicado por muitos anos o escoamento da produção regional. Por consequência, a Bunge não concluíra totalmente o projeto até então elaborado, que seria, além do esmagamento de soja para extração de óleo degomado, o refino desse óleo, margarina e outros produtos de sua linha de produção. Ainda no período entre 2003 e 2005 foram construídos, também no mesmo bairro, 1 posto de combustíveis, 1 clube recreativo, 7 galpões e uma concessionária de tratores.

 

Eu já conhecia o município desde 1994 quando era caminhoneiro e já havia trabalhado nessa região. Nessa época, quando executava serviço de transporte de calcário do município de Antonio Almeida para Uruçuí, havia apenas 4 fazendas de grande porte. Fiquei muito impressionado com as chuvas que se precipitavam por aqui, até então eu tinha na época 23 anos de idade e não conhecia empreendimentos com aquela magnitude. Nesse período só havia um trecho de pouco mais de 10 km com asfalto, e conheci a cidade ainda no inicio do seu processo de expansão. Em meados de 1997, eu retornei diversas vezes a Uruçuí novamente a trabalho, desta feita realizando entrega de mercadorias aos comerciantes locais.

Em Abril de 2001 eu então resolvi trabalhar em Balsas, Maranhão. Lá trabalhei como auxiliar de embarque em uma empresa de transportes, onde tive a oportunidade de aprender um segundo oficio. Ali eu permaneci por 8 meses, foi quando surgiu mais uma chance para retornar a Uruçuí. Cheguei para morar na cidade em julho de 2002, e nesse período o bairro Portal dos Cerrados já estava quase totalmente concluído, mas ainda com a construção de várias casas. Havia também a finalização de 7 galpões, o posto Cacique, e estavam chegando também 2 mecânicos para montarem suas oficinas. Já tinha chegado o Sr. Bené, da borracharia, que ainda se encontra instalado no mesmo local.

Já em 2003 eu abri a segunda empresa de transportes da cidade, na rua Tomaz Pearse, no Centro, onde também era meu endereço de morada. Na época o sinal de celular estava sendo instalado na cidade. No inicio só funcionava apenas a 200 metros em volta da torre, e nos meses seguintes o funcionamento foi ficando mais abrangente.

Em 2006 fui morar no Portal dos Cerrados, recém construído e muito bem planejado. Morei lá por 4 anos, era vizinho do Sr. Raul Junior e de seu Álvaro, e em nossa rua moravam vários proprietários de caminhões, na rua Candeia.

Ainda tem lá 1 clube recreativo, várias empresas, restaurantes, autopeças entre outros empreendimentos. Todas as ruas do bairro têm nomes de árvores nativas, como Sapucaia, Angico, Ipê, Faveira etc.

Aqui encerro esses pequenos relatos do tempo em que vivi no bairro, muito bom e velhos tempos.